segunda-feira, setembro 08, 2008


Apesar de a data ter passado, a proximidade dela me dá margens ainda. Com trilha sonora.

Hoje falo de mim, de coisas públicas e particulares. Falo da vista do pôr-do-sol a partir da minha Casa Verde, e do lugar predileto no canto esquerdo do terraço de casa, de onde vejo a baia de Vitória, e os navios que chegam e saem. Falo da mania, inconsciente até então, de enquanto como usar a mão livre para acariciar uma das pernas.
Detesto que deixem aberta a porta do meu quarto, que carinhosamente chamo de oca. Faz-me bem a sensação de ser segurada forte pala cintura e me faz mal o cheiro de cebola.
Alguns anos se passaram desde que eu achava que a vida podia ser perfeita. Durante esses anos várias de minhas concepções mudaram, vários amigos se foram e vários outros vieram. Algumas pessoas vieram pra ficar, algumas saíram pela porta que entraram, e outras foram embora sim, mas deixaram, de propósito, a bagagem.
Costumo pensar que pessoas são como o mar, que pode encantar apenas pela visão, mas pode surpreender infinitamente mais quando nos dispomos a desbravá-lo.
Tenho planos hoje que não planejava ter, tive sonhos dos quais desisti, outros sobre os quais mudei de idéia. Tenho bons momentos pregados nas paredes da oca, tenho maus momentos pregados nas paredes da memória, sentimentos infinitos por pessoas finitas, sonhos que persistem em sobreviver sob os escombros.
Amo chocolate e estou, no presente momento, com o quarto abarrotado dele, de várias formas e recheios. Minha coleção de cactos aumentou, meu tempo de cuidar deles e de mim mesma diminuiu.
Nunca mais consegui escrever no meu diário, mas a minha história não consegue dar a pausa que eu precisaria para colocá-lo em dia. Será por isso que eu sinto o tempo todo que estou atrasada?
Nasci no inverno de pura esperteza, que era pra já estar craque quando entrasse a primavera.
Meus heróis não morreram de overdose
Hoje sou um pouco da mulher que quis ser quando era criança e um pouco de uma mulher que eu não conhecia, de mesmo valor e com o sinal trocado.



9 comentários:

Kwai Chang Caine disse...

Meu comentário vai em forma de poesias de Jacques Prévert [poeta que traduzo e pesquiso]:

Minha vida não está atrás de mim
nem antes
nem agora
Ela está dentro.

Os baixos-relevos do banquete.

Os anos passaram, a mesa foi tirada, quase todos os convivas estão mortos e alguns na guerra, mas sobre a toalha das lembranças, para alguns ainda vivos, os arlequins da memória dançam o resto do tempo.

Mésmero disse...

Meus heróis nunca morrerão, são todos fictícios.


Beijo, índia! rs

Zzr disse...

E, sem dúvidas, essa mulher que você constrói a cada dia consegue despertar a minha melhor admiração.

Eu ainda me pergunto se você não deveria se chamar Maria. Mas, tenho certeza que aí dentro vive uma vontade grande de ser feliz e uma força maior ainda de manter isso para sempre.

Minhas reverências que você sempre teve. Afinal, o texto é perfeito!

Beijos

Hanne Mendes disse...

Será por isso que eu a amo?

Obrigada.
Beijão, linda.

Kwai Chang Caine disse...

De certo modo tua prosa poética dialoga em outros níveis com esta prosa poética de Radovan Ivsic [que também permite que os leitores a continuem]:
METEOROS

1

Sombria, ela está no vazio. Seu dedo desperta, hesita, depois torna-se peixe. Todo seu corpo se alumia. É o nevoeiro, pensa com seus botões.

2

Pesada, no turbilhão, ela é apenas uma ferida. Um grito entreabre sua boca mas os dedos de seus pés são borboletas e alçam vôo. É o relâmpago, pensa com seus botões.

3

Vermelha, ela se assusta: não são mais as escamas que recobrem seu corpo mas os lábios tão pequenos, inumeráveis. Ela se envolve num lençol branco. É a neve, pensa com seus botões.
4

Trêmula, ela avança em direção ao abismo embora ela gostaria de fugir. Não é um abismo, é um abutre que se precipita em direção à ponta nua de seu seio. É a miragem, pensa com seus botões..

5

Citadina, ela tem o segredo para abrir as jaulas. Com o primeiro tigre, ela desce no metrô. Em pouco tempo, estão no deserto. As ampolas se apagam mas no escuro dois olhos verdes não tardarão a se iluminar. É o eclipse, pensa com seus botões.

6

Ofegante, ela atingiu o cume da mais alta falésia. De repente, atrás de um rochedo, ela percebe um olho e depois um outro: milhares de pupilas ávidas fixam-se sobre ela. Rápida, ela começa a se despir. Nua enfim, avança em direção à encosta abrupta, ervosa, e desce até a planície fazendo a roda. É o ciclone, pensa com seus botões.

7

Noturna, no musgo descobre as estrelas, os traços de um cervo e enfim uma fonte. Um arminho em fuga se esconde em sua axila. É o cometa, pensa com seus botões.

8

Invejosa, vê o dorso de um desconhecido que se observa no espelho. Sob o travesseiro, pega um machado e o lança em direção à fria superfície para aniquilar sua profundidade enganosa. O desconhecido se desvia e a desfigura para ver sua nova imagem, talvez. Não. É o terremoto, pensa com seus botões.

Jorge Elias disse...

Encontrar aqui esse seu texto só me faz concordar com os dizeres da Sarah.
É belo ser jovem, é belo crescer, é necessário o entendimento - sempre pleno de juventude!
Vamos seguir vivendo...

Dauri Batisti disse...

Lindo post. Assim tão espontâneo, tão capixaba, tão cheio de poesia.

Anônimo disse...

é bonito demais os encontros que a gente se provoca, até escrever.
obrigada pela sua visita, pelo estímulo aos meus rabiscos. :)

Anônimo disse...

Tua prosa é delicada e de uma doce musicalidade